domingo, 12 de janeiro de 2014

Saudades do que não vivi...

Acho que quando a gente faz 50 anos é mais ou menos a fase da vida de um ser humano em que ele começa a perceber sua finitude com mais clareza. Se fala muito da dificuldade de fazer 40 anos, mas acho que com 40 muitas de nossas "ficha" não caíram ainda. Aos 50 é que percebemos que mais da metade da vida pode ter transcorrido, que nosso tempo passou para algumas coisas e que para as outras que podemos ainda realizar, é preciso agilizar os processos.

Não sou saudosista e tenho extrema agonia de lidar com pessoas que são. Acho realmente que tenho um problema em relação a isso. Talvez por querer esquecer meu passado masculino,  quase não olho para trás, quase não sinto saudade de nada, minha vida é basicamente olhar o hoje e o futuro, o que faz de mim uma pessoa ansiosa ao extremo, porque estou sempre pensando no que vai vir, no amanhã e no que posso fazer hoje para melhorar o futuro. O passado para mim serve mais como referência para não voltar a cometer erros.

No entanto, existe um sentimento em mim que volta e meia aparece. Saudade do que que não fiz, uma espécie de "nostalgia do se".  "E se eu tivesse feito isso", "e se eu tivesse agido dessa forma". Enfim, não é algo legal, mas acontece de passar pela minha mente. Isso é  mais frequente do que ficar relembrando momentos bons ou ruins do passado. Nessa onda de nostalgia, me pego pensando, por exemplo, nos filhos que não tive. Não que quisesse ter tido filho em algum momento, mas hoje com 51 anos vejo que teria sido legal  ter tido filhos na idade em que as pessoas tem filhos.

Claro que com toda minha trajetória transexual, com todos os caminhos tortos que percorri, com todos os atalhos que tive que fazer, construir uma família era algo bem difícil de acontecer. Mas mesmo assim penso que teria sido legal se a vida tivesse sido outra, se isso tivesse acontecido. 

É estranho essa falta que sentimos de certas coisas não vividas. Porque por mais que a gente saiba que mesmo que voltasse no tempo nada seria diferente, mesmo assim aquela vontade fica lá. Como um  desejo de ter tido uma outra vida, outros problemas. Como um cansaço das nossas questões e pendências. 

Acho que é assim que me sinto, cheia dessa trajetória transexual, que parece que me trouxe mais perdas do que ganhos. Não que me arrependa de ter feito a cirurgia, mudanças em geral relacionadas a isso, de forma alguma me arrependo, mas passa pela saudade do que não vivi. Como um desejo que nada disso tivesse acontecido, que eu tivesse nascido num corpo certo e tido uma vida mais dentro dos padrões. E que atire a primeira pedra aquele que nunca desejou que sua vida fosse diferente, nem que fosse em um aspecto. Todos nós em algum momentos desejamos isso e acho que passa meio por essa nostalgia do que poderia ter sido e não foi...

De qualquer maneira o movimento a ser feito sempre é de aceitação da sua realidade, porque se entrarmos pelos caminhos das hipóteses que poderiam ter sido, tudo fica muito difícil de lidar. Mas um momento ou outro, tá liberado né, gente? Afinal a vida não tem que se assim tão rígida.