domingo, 23 de fevereiro de 2014

A dor é só nossa...

Fico pensando em como nossas dores são solitárias, como por mais que a compartilhemos com os outros, parece que estamos sempre perdidos dentro daquele sofrimento, como se não tivesse um caminho de volta, como se não tivesse ninguém para mostrar uma saída, mesmo que os amigos estejam ali por perto. 

Quando estamos felizes, tanto faz compartilharmos ou não aquela felicidade, parece que ela nos expande, nos joga para fora de nós mesmos. Se não compartilhamos o momento de felicidade, ele continua sendo leve e gostoso do mesmo jeito. Já os momentos de dor são solitários, pesados, se arrastam dentro da gente e ninguém parece poder aliviar aquilo.

Tenho bons amigos, mas eu os "alugo" muito pouco para desabafar, exatamente porque não sinto alivio com o desabafo feito dessa forma. Acho que me alivia mais vir aqui no blog e escrever sobre o assunto, já que quando a gente escreve, parece que um pouco daquela dor sai junto com a escrita. Já falar com os outros é algo que me incomoda mais do que me alivia, não sei porque é assim, mas só consigo falar com os amigos sobre meus problemas, depois que eles já não doem, ou doem menos.

Recentemente, como é do conhecimento de quem me acompanha aqui, tive uma grande decepção com o insucesso da minha cirurgia nas cordas vocais. Realmente era algo que cultivei como uma grande esperança de sair dessa situação desconfortável com minha voz e quando recebi a notícia que não tinha dado certo, foi como se me tirasse o chão e o ar. Mas tenho uma grande capacidade de suportar decepções, elas me abalam muito, mas não me derrubam completamente. De qualquer maneira ando me sentindo mal e deprê nesses últimos dias. Não sei quanto tempo levarei para digerir isso, mas também não jogarei esse peso nas costas de ninguém.

Sei que tem pessoas que simplesmente não entendem o motivo de ter um problema na voz me afetar tanto. As pessoas tendem a achar que como elas ficam roucas de vez em quando e passam por isso bem, eu deveria fazer o mesmo. Mas não é bem assim, não vou explicar que estou há 4 anos com uma voz muito ruim que me prejudica socialmente, porque muitos talvez nem entendam isso, e minha intenção não é mostrar o tamanho do meu sofrimento, já que ele importa só a mim. Esse é meu inferno pessoal, cada um tem seu inferno. O que pode ser fácil para uns, pode ser bem difícil para outros.

Talvez o mais chato é quando as pessoas falam coisas do tipo que ouvi da minha mãe a vida inteira. Para minha mãe a gente não pode reclamar de nada, ela pode reclamar de absolutamente tudo, mas se você abrir a boca para reclamar o mínimo que seja ela vem com o clichêzão: "- Olha é melhor você ter a voz assim do que ser muda". Putz, quando alguém me fala isso dá vontade de dar um soco. Acho que por isso quase não abro a boca para reclamar. Tenho uma amiga que teve poliomielite e anda com muita dificuldade, sei das suas limitações e como isso a faz sofrer. Imagina se viro para ela e digo : "- Melhor você andar com dificuldade do que está direto numa cadeira de rodas". Acho isso cruel, mas as pessoas são cruéis, sem nem perceberem que são, achando que estão dizendo coisas positivas para levantar seu astral.

Às vezes penso que gostaria de ter outro problema, se a vida, Deus me desse opção de trocar, preferiria ter um outro problema, desde que não fosse outra limitação física. Acho que ser transexual não me trouxe durante toda a vida o sofrimento que tenho tido nesses últimos quatro anos com a voz.

Seja como for, esse post foi uma espécie de expurgo, queria colocar para fora um pouco disso que está doendo muito dentro de mim, mas não pretendo voltar a esse assunto tão cedo. Já que não quero ficar a chata reclamona da voz. Mas precisava escrever sobre isso para tentar tirar um pouco desse peso que está dentro de mim, o resto daqui para frente vou tentando lidar de mim para comigo mesma.