segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Qual o lugar da mulher trans na nossa sociedade?


Muitas vezes me pergunto se a mulher trans tem realmente um lugar na nossa sociedade, ainda tão machista. Quando vivia como um gay, tinha uma posição mais bem definida socialmente, era gay e me relacionava com homens gays, passava por todos os preconceitos que esse grupo passa, mas tinha uma posição bem definida. Ser uma mulher trans é viver numa espécie de limbo social. A gente é percebida como mulher, no dia a dia, o preconceito que percebemos é pouco, mas só até alguém saber que você não é geneticamente mulher, mas uma mulher que teve um corpo de homem. É meio que não está incluída, nem entre os héteros e nem entre os gays.

A impressão que tenho quando digo que sou transexual é de ter enganado as pessoas me passando pelo que não sou, ou seja, por mulher. Quando a situação é de relacionamento amoroso a coisa fica muito, muito pior. Quando se é gay você tem os outros gays para se relacionar e, acontecendo, é uma relação entre iguais. Quando você é transexual, quem exatamente é o seu parceiro? Diria que os homens que se relacionam com transexuais são héteros, mas grande parte dos héteros não se relacionam com mulheres trans, simplesmente porque não nos veem como mulheres, mas como gays castrados, transformados, como um engano, uma farsa. Acho mesmo que seu eu fosse gay não estaria sozinha hoje em dia. Mas como mulher transexual minhas chances nessa esfera diminuem drasticamente, tanto da parte dos homens em relação a mim, quanto da minha parte em não aceitar homens que não vejam como mulher. Porque homens no geral adoram se divertir com as transexuais, sexualmente falando, mas namorar mesmo. Daí ser só objeto sexual para as horas de tédio é algo de que não preciso.

Aí muita gente tá se perguntando o motivo de ter feito a transformação, se ser gay me deixava numa posição mais bem definida. E respondo que não tive essa escolha. Nós transexuais não escolhemos odiar o sexo que nascemos, não escolhemos olhar no espelho e sentir um profundo desgosto por não reconhecer aquele ser refletido, não escolhemos preferir destruir aquele corpo a ter que continuar com ele, não escolhemos desejar ardentemente mudar essa situação, numa espécie de quase compulsão incontrolável. É óbvio que se  pudesse escolher ficar como gay e ser feliz, o teria feito. Teria me poupado sofrimentos extras, como a mudança do corpo. E tenham a certeza que tentei e muito ser gay, mas foi algo impossível.

Mesmo com todas as dificuldades de ser uma mulher transexual, mesmo tendo perdido a relação com minha família por conta disso, mesmo tendo perdido a relação com a grande maioria de pessoas do meu passado, porque hoje em dia me sinto uma pessoa meio que sem conexão com meu passado, como se tivesse destruído uma identidade para que outra surgisse a partir dali. Mesmo com tudo que perdi, o ganho de olhar no espelho e me reconhecer como mulher que sempre senti ser, o prazer de ser recebida como mulher em todos os ambientes que vou, realmente isso só quem dá valor é quem nasceu num corpo invertido.

Dizer que sou feliz como mulher transexual acho um excesso. Ser transexual já traz um sofrimento extra para o resto da vida, acho meio difícil alguém achar legal ter nascido transexual, já que a gente tem que andar sempre contra a "correnteza da natureza". Situação diferente de ser gay que é uma questão social e sexual. Ser transexual é uma questão social, de gênero, de identidade e porque não dizer que é uma questão médica, pois sempre envolve cirurgias e administração de hormônios.

De qualquer maneira se me perguntarem hoje se faria tudo de novo, com certeza faria. Se me perguntarem se tive mais ganhos do que perdas, não saberia responder. Mas certamente foi a única opção que tinha e se era a única, não era uma opção, mas sim uma condição.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Amizade platônica...

Amizade platônica existe em vários níveis. Desde aquela pessoa pública que a gente admira à distância e acha perfeitamente que poderia ser amiga dela, até aquela pessoa de quem a gente é amiga, ou ela é nossa amiga e não existe reciprocidade...

Quem nunca leu um livro, um texto, viu uma pessoa palestrando, ou num vídeo e achou que aquela pessoa tinha tudo a ver contigo? Só que essa pessoa sequer sabe da sua existência daí se estabelece um tipo de amizade platônica, você meio que interage, fala através daquela pessoa, cita exemplos dela, sem exatamente venerar ou ser um fã cego, apenas sente afinidade com ela e gostaria de tê-la por perto. Consigo me lembrar de algumas pessoas assim para mim. O PC Siqueira que faz vídeos na internet é um tipo de pessoa dessa, muito do que ele diz me representa, mas não chego a ser uma fã dele, apenas acho que se a gente sentasse sairia um bom papo.

Por outro lado tem o efeito contrário da coisa. De a gente se aproximar realmente de um amigo platônico e ele simplesmente não corresponder a nada do que pensávamos, coisa até comum de acontecer. Daí vem a decepção total, o desencanto. 

Mas creio que o pior da amizade platônica é a não correspondida por alguém que você se relaciona mesmo. Durante algum tempo na minha vida, lá quando era mais jovem, chegava a gostar de umas pessoas que não me correspondiam, tanto em amizade quanto em relacionamentos amorosos, mas depois com o passar dos anos fui exercitando desgostar sempre que não me sentia correspondida e fiquei tão boa nisso que hoje em dia bastam uns dias para que eu "desencane" de alguém.

Mas como controlar quando alguém se sente amigo de você e não acontece nada dentro da gente? Simplesmente não rola com aquela pessoa e ficamos sem saber como dizer isso. Sinceramente essa situação sei lidar bem menos do que quando gosto e não sou correspondida. Porque estive mais na posição de não ter retorno do outro, então aprendi melhor a lidar com isso. Quando alguém diz que gosta de mim e não sinto a mesma coisa, fico meio perdida, meio que pisando em ovos, sem saber o que dizer e fazer. Realmente esse é um exercício que não fiz muito durante minha vida, então tenho muito o que aprender.

Nada melhor na vida do que um relacionamento de mão dupla, em que as pessoas falam a mesma língua, sentem afinidades, sentem que pertencem ao mesmo grupo. Poucas vezes tive isso com amigos, mas posso dizer que tenho alguns assim. E menos ainda com relacionamento amorosos, se contar nos dedos de uma mão sobram muitos dedos... rsrs. Afinal sou uma criatura estranha demais e encontrar quem se afine comigo não é tão fácil assim... rs.

P.S.: Tema inspirado no programa Saia Justa

(PC Siqueira)

 

domingo, 12 de janeiro de 2014

Saudades do que não vivi...

Acho que quando a gente faz 50 anos é mais ou menos a fase da vida de um ser humano em que ele começa a perceber sua finitude com mais clareza. Se fala muito da dificuldade de fazer 40 anos, mas acho que com 40 muitas de nossas "ficha" não caíram ainda. Aos 50 é que percebemos que mais da metade da vida pode ter transcorrido, que nosso tempo passou para algumas coisas e que para as outras que podemos ainda realizar, é preciso agilizar os processos.

Não sou saudosista e tenho extrema agonia de lidar com pessoas que são. Acho realmente que tenho um problema em relação a isso. Talvez por querer esquecer meu passado masculino,  quase não olho para trás, quase não sinto saudade de nada, minha vida é basicamente olhar o hoje e o futuro, o que faz de mim uma pessoa ansiosa ao extremo, porque estou sempre pensando no que vai vir, no amanhã e no que posso fazer hoje para melhorar o futuro. O passado para mim serve mais como referência para não voltar a cometer erros.

No entanto, existe um sentimento em mim que volta e meia aparece. Saudade do que que não fiz, uma espécie de "nostalgia do se".  "E se eu tivesse feito isso", "e se eu tivesse agido dessa forma". Enfim, não é algo legal, mas acontece de passar pela minha mente. Isso é  mais frequente do que ficar relembrando momentos bons ou ruins do passado. Nessa onda de nostalgia, me pego pensando, por exemplo, nos filhos que não tive. Não que quisesse ter tido filho em algum momento, mas hoje com 51 anos vejo que teria sido legal  ter tido filhos na idade em que as pessoas tem filhos.

Claro que com toda minha trajetória transexual, com todos os caminhos tortos que percorri, com todos os atalhos que tive que fazer, construir uma família era algo bem difícil de acontecer. Mas mesmo assim penso que teria sido legal se a vida tivesse sido outra, se isso tivesse acontecido. 

É estranho essa falta que sentimos de certas coisas não vividas. Porque por mais que a gente saiba que mesmo que voltasse no tempo nada seria diferente, mesmo assim aquela vontade fica lá. Como um  desejo de ter tido uma outra vida, outros problemas. Como um cansaço das nossas questões e pendências. 

Acho que é assim que me sinto, cheia dessa trajetória transexual, que parece que me trouxe mais perdas do que ganhos. Não que me arrependa de ter feito a cirurgia, mudanças em geral relacionadas a isso, de forma alguma me arrependo, mas passa pela saudade do que não vivi. Como um desejo que nada disso tivesse acontecido, que eu tivesse nascido num corpo certo e tido uma vida mais dentro dos padrões. E que atire a primeira pedra aquele que nunca desejou que sua vida fosse diferente, nem que fosse em um aspecto. Todos nós em algum momentos desejamos isso e acho que passa meio por essa nostalgia do que poderia ter sido e não foi...

De qualquer maneira o movimento a ser feito sempre é de aceitação da sua realidade, porque se entrarmos pelos caminhos das hipóteses que poderiam ter sido, tudo fica muito difícil de lidar. Mas um momento ou outro, tá liberado né, gente? Afinal a vida não tem que se assim tão rígida.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Uma grande segunda-feira...

Numa grande segunda-feira, é assim que me sinto em janeiro, nunca gostei desse mês, implico com janeiro e junho. Junho porque muitas coisas ruins na minha vida aconteceram em junho, então não gosto desse mês. Agora,  janeiro tem cara de recomeço, parece mesmo que todos os dias da semana são segundas, fora o verão que contribui ainda mais para meu desânimo nessa época. 

Conheci poucas pessoas na minha vida que se sentem tão mal com o calor quanto eu. Sinto como se tivesse me afogando, um desânimo de tudo, não tenho vontade nem de fazer as coisas que habitualmente me dão prazer. Enquanto todos vão para a praia, fico sonhando com ar condicionado, seja ele de onde for. Só no ar condicionado sinto que meu ânimo volta.

Mas o verão certamente não seria um problema se não fosse o desânimo de tudo que tem me acompanhado faz tempo. Um tédio, uma vontade de não interagir, pouco me importa se as pessoas não estão gostando da minha companhia, a verdade é que não ligo se está assim ou assado e não é depressão, é só insatisfação mesmo. Sei de onde ela vem, sei porque fiquei assim e obviamente vou tentar sair disso, mas janeiro não é um bom mês para tentativas de melhora... rs. Mas vou continuar tentando.

Temos fevereiro e nele espero um acontecimento que pode mudar o rumo que minha vida anda levando. Então o que me resta é suportar janeiro como se suporta uma grande segunda-feira. Esperando que fevereiro seja uma sexta e que os meses que virão sejam eternos sábados... rs.

Se tenho esperança? Sim, muita, ao mesmo tempo que um tédio de tudo me consome, existe lá no fundo uma esperança de que dias melhores virão, que a qualquer momento vou dar uma virada em tudo isso, que vou conseguir finalmente dar a volta por cima que espero. E essa esperança que não me deixa desistir nunca.

Mas por enquanto é janeiro, é uma grande segunda-feira, é verão e vou do jeito que dá para ir...